O The Game Awards 2017 consagrou a Nintendo como a grande desenvolvedora, produtora e distribuidora do ano ao abocanhar cinco prêmios: Super Mario Odyssey (Switch) como melhor jogo para a família, Mario + Rabbids Kingdom Battle (Switch) como melhor jogo de estratégia e The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Wii U/Switch) como melhor jogo de aventura, melhor direção e jogo do ano.
Contudo, tanto agora em 2017 quanto em edições anteriores, a premiação é alvo de criticismo e questionamento. Afinal, essas premiações são uma expressão legítima de consagração daqueles que tanto se esforçam pelo entretenimento digital ou não passam de eventos café com leite e sem expressividade alguma com um viés completamente comercial?
E os indicados são...
No caso do The Game Awards, especificamente, observa-se uma estrutura
completamente mutável instável nas categorias ano após ano. Desde 2014,
por exemplo, um número de modalidades não consegue se consolidar de
forma fixa, sendo abandonada ou reformada no ano seguinte. Na edição de
2014, vinte e duas categorias compuseram a premiação. No ano seguinte,
vinte e três, sendo que duas delas mudaram de nome (Best Online Direction para Best Multiplayer e Games for Change para Games for Impact), uma foi completamente eliminada (Best Remaster) e duas novas foram introduzidas (Best Art Direction e Best Esports Game).
De 2015 para 2016, esse número sobe para vinte e cinco. A de Best Shooter foi limada. Best Score/Soundtrack se tornou Best Music/Sound Design, englobando praticamente duas categorias em uma. Best Action/Adventure se manteve, mas, por algum motivo, uma outra categoria chamada apenas de Best Action Game foi introduzida. Best Developer também foi descontinuada e Best Game Direction assumiu seu lugar, além de Best VR e Best Strategy Game terem sido incorporadas.
Em 2017, a quantidade de modalidades sobe para surreais trinta e uma. Dos destaques, há a divisão da categoria Best Handheld/Mobile para Best Handheld e Best Mobile,
algo que deveria ter sido levado em consideração desde a primeira
edição, visto que a forma como ambas são produzidas e vendidas é
completamente diferente uma da outra. O mesmo vale para Audio Design, que é uma categoria que exige uma competência completamente diferente para ser aglutinada com a da trilha sonora.
Por conta de uns problemas de direito autoral na edição de 2016 (a Nintendo mandou remover Pokémon Uranium
dos indicados por violação de propriedade intelectual, para se ver como
já de início quem manda nessa premiação são as empresas), os fãs do
mundo todo também perderam espaço ao terem sua categoria chamada Best Fan Creation substituída para Chinese Fan Game Awards, que acompanhou Best Student Game, Best Debut Indie Game, Best Ongoing Game e Best Horror/Stealth Game, sendo que essa última provavelmente será dividida em duas no ano que vem porque nem todo jogo stealth vai ser necessariamente de horror.
Essa grade completamente mutável e instável ao longo dos anos levanta o
questionamento de categorias específicas surgirem e desaparecerem só no
intuito de direcionar certos jogos a levarem determinados prêmios. Por
exemplo, Cuphead (PC/XBO) foi o vencedor tanto de melhor indie quanto o de melhor indie de
estreia, quando se trata de jogos lançados como o primeiro trabalho de
seu estúdio responsável. Essa segunda categoria é mesmo necessária?
Principalmente porque se algum jogo que recebeu indicação em ambas levou
a principal, não faria nem sentido ele também não receber a segunda,
visto que é um espectro dentro de outro.
Isso sem falar nos indicados das categorias em si. Por mais unanimidade
que Cuphead seja na questão de sua qualidade, é questionável sua
classificação como independente por conta do financiamento da Microsoft
na produção do jogo. Não é da ajuda de, por exemplo, uma Devolver
Digital de que estamos falando aqui. É de uma empresa com infraestrutura
suficiente para manter o próprio console no mercado e garantir a
exclusividade do título. A indicação de Playerunknown’s Battlegrounds (PC) também é completamente discutível, visto que o jogo tecnicamente nem foi lançado ainda para ser considerado.
A questão principal aqui é que é difícil levar a sério uma organização
tão esquizofrênica, que adiciona e tira categorias, que junta duas que
não carregam uma relação direta entre si, que parece criar novas
modalidades só no intuito de direcionar certos jogos como vencedores
(além de Cuphead, é notável que as premiações de Best Esports Game e Best Ongoing Game parecem ter sido cunhadas já na intenção de fazer a Blizzard faturar mais uns trocados com Overwatch (Multi),
mesmo que esse já tenha brilhado em seu momento em 2016, quando foi
lançado). Fica difícil de entender se é realmente falta de planejamento
ou um planejamento exemplar, se considerarmos a hipótese de que esse
troca-troca é para facilitar tais manobras.
Se, por algum acaso, a premiação conseguisse manter uma coluna dorsal
com as premiações principais — o que não é o caso, visto que a de melhor
direção, que deveria ser um dos carros-chefes (se continuarmos com o
paralelo com o cinema), foi introduzida apenas em 2016 — e aos poucos
adicionasse outras categorias ocasionais não-fixas de forma periférica,
seria possível construir uma espécie de tradição bem rápido a fim de
tornar o TGA uma referência, mas a realidade é bem diferente disso.
Intuito Comercial
O show de horrores que foi o último VGA da SpikeTV teve como uma das principais críticas o viés publicitário da premiação. Chegamos em 2017 e vemos justamente uma série de novos anúncios exclusivos, tal qual acontece com uma feira feito a E3 ou TGS. O problema é que aqui a ideia não é (ou deveria ser) anunciar novos jogos, mas sim resgatar a memória dos que já foram lançados nesse ano que se passou.
Imagine se o Oscar começasse a exibir trailers dos filmes que ainda
serão lançados e um dos filmes que mais se destaca na premiação da
Academia fosse do mesmo estúdio que trouxe um teaser exclusivo de um de
seus blockbusters. Seria, no mínimo, questionável, como se fosse uma
troca de favores. Como isso realmente acontece no The Game Awards, chega
a ser algo a se desconfiar. O fato de haver uma comissão especializada
que envolve uma série de empresas do ramo para selecionar os vencedores
cria um demérito para a premiação. Num exemplo factual, por exemplo, o
anúncio bombástico e exclusivo do desenvolvimento de Bayonetta 3 (Switch) veio bem no ano em que a Nintendo leva cinco estatuetas para casa.
Já a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, a responsável pelo
Oscar, é composta por um painel de membros que são convidados por serem
especialistas e, por mais que representem certas empresas, há uma
transparência interessante que faz com que eles, como indivíduos, se
sobressaiam aos interesses corporativos, mesmo que eles ainda existam e
ainda sejam questionados. Além disso, o fato de serem quase sete mil
membros das mais diversas origens e especialidades ajuda a diversificar e
dificultar uma orientação clara e direcionada, ao contrário dos apenas cinquenta e dois especialistas que integram o comitê do The Game Awards.
Outro problema presente é a questão de acontecer no começo de dezembro,
antes do fim do ano fiscal corporativo, que geralmente se dá depois do
Natal. A impressão que passa é que o The Game Awards é estrategicamente
definido em tal mês justamente na intenção de aproveitar o buzz causado
pelos vencedores ainda na temporada de feriados de fim do ano, com o
comércio em alta. O excedente de horários comerciais intercalados com a
cerimônia chegava a incomodar durante a transmissão.
Descentralização e necessidade de se provar
Por fim, o que é o tal chamado título de “Game of the Year”? A
indústria de videogames é descentralizada demais no momento de
reconhecer o que ela mesma produziu. Há uma série de premiações
promovidas pelos mais diversos órgãos e veículos, todas com um peso
considerável, mas nenhuma que se destaque como o principal farol na
formação de um consenso. A impressão é que existe uma manutenção dessa
desordem justamente para que as empresas possam lucrar mais em cima
disso. Como ilustração dessa ideia, é possível pegar Fallout 4 (Multi), Bloodborne (PS4) e The Witcher 3: Wild Hunt (Multi), em que os três títulos receberam versões “Game of the Year Edition” no intuito de arrecadar mais alguns trocados — detalhe: são todos do mesmo ano.
O The Game Awards, em teoria, pela majestosidade e formalidade que o
evento tenta apresentar, deveria ser essa luz-guia, mas ele se perde em
uma organização falha e critérios questionáveis. Ele é tão irrelevante e
café com leite que, de uma maneira prática, não fez diferença alguma a
presença de um trailer de filme na premiação. Experimente fazer o mesmo
na E3 e observe o estrago. A Ubisoft começou a se autodestruir quando,
após uma apresentação de recepção positiva na edição de 2012, achou que
poderia fazer qualquer coisa e perdeu tempo apresentando série de
televisão dos Rabbids em 2013, algo que até hoje é motivo de piada. O
mesmo vale para as palestras da Microsoft focadas nas características
multimídia do Xbox One.
De maneira prática, a irrelevância do The Game Awards acaba sendo tão
grande que, durante seu auge, a premiação chegou a perder para a final
d’A Fazenda, Reality Show da Record — veja bem o quão baixa é a
situação: é A Fazenda, é um Reality Show e é da Rede Record — nos
assuntos mais comentados do Twitter no mundo todo. Existe mais fracasso
do que isso?
Parando para pensar, a rigor, por que temos essa necessidade absurda de
querer considerar jogo X ou Y como o GOTY? Não é como se já não houvesse
material suficiente para os fãs discutirem a respeito da qualidade de
um jogo. É essa desnecessidade de tentar se provar como um produto
midiático sério, como se o fato de o indivíduo estar se divertindo não
fosse suficiente. A questão é: se você quer mesmo ser levado a sério e
tentar brincar de Oscar dos Games, você até pode, mas, por favor,
organize-se melhor. Chega a ser cansativo como os videogames tentam ser
iguais ao cinema, mas não conseguem identificar os exemplos corretos a
serem seguidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário